O retorno à casa

Brasil, Minas Gerais, Betim, Jardim da Cidade.

Aqui estou eu de volta às raízes, e a primeira coisa que eu fiz, foi ir ter com os meus amigos num lugar nostálgico a todos, o famoso Betim Shopping. Ao reencontrá-los, depois de tanto tempo, um dos meus maiores medos tornou-se real, estamos todos estupidamente diferentes, como já era de se esperar... Mas logo nós, que éramos como imãs, agora parecemos água e óleo.
Tudo bem, isso não irá nos afetar, é compreensível, foram quatro anos sem muito contacto. Fui até uma pastelaria que estava completamente igual ao que me lembrava e comprei o meu cigarro favorito, Ponto Faria, o meu amado cigarro de palha. Quantas saudades eu senti desse sabor e textura.
Voltei para o pé dos meus amigos, mas para a minha surpresa, eles estavam com pessoas que eu nunca tinha visto na vida. Eles parecem o nosso passado. (Eu não me encaixo mais?)
...
"O que está a acontecer? Eu tive um apagão? Onde eu estou? Num autocarro? Para onde estou a ir?"
Todas as minhas perguntas calaram-se quando eu o vi, a razão de muitos sorrisos e prazeres no passado, mas hoje, apenas reina a paranóia e medo associada ao seu falso nome.
"Há mais de um ano que não tenho notícias do dito cujo, será que estou a alucinar?" Logo me apercebi que eu estava a segui-lo, eu queria vê-lo, mas não sabia o porquê. Eu realmente gosto deste ser que me assombra há tanto tempo?
Enquanto tinha o meu momento de reflexão, distraí-me e os nossos olhos se cruzaram novamente. "Ele me viu!" Foi uma sensação que eu não consigo explicar, alegria e medo fundidos num momento só. Foram frações de segundos, mas o suficiente para a minha cabeça disparar em pensamentos controversos enquanto ele simplesmente ignorou o facto de me ter visto. Será que ele pensa que é outra pessoa? Eu realmente estou bastante diferente...
Logo depois, o motorista aparece à minha frente a me dizer que eu tenho de descer do autocarro por estar na lista das pessoas proibidas. "Lista proibida?" Ele explicou-me que aquele autocarro ia para a parte pobre da cidade, e numa das favelas, o "manda chuva" não me queria por perto. Eu só me perguntava o que haveria de ter feito para tal coisa.
Eu tive de descer logo ali, num lugar desconhecido, sozinha, com o telemóvel, dinheiro e documentos escondidos pelo corpo. Logo apareceu uma senhora que me pediu para ajudar o seu filho, que deveria ter por volta dos seis anos, a fazer a lição de casa. Ela disse-me que eu deveria saber ajudar mais do que ela por estar bem vestida. Quando parei para reparar nas minhas roupas, era mesmo algo de sair a noite, estava extremamente produzida e maquilhada.
Ajudei o menino com um olhar profundo e sofrido. Depois de acabarmos, eu pedi a senhora para que me ajudasse a sair dali, fomos então a uma loja para eu poder fazer uma ligação, mal eu sabia, já estava desacostumada, muito tranquila numa situação dessas, a tal senhora com os seus quase trinta anos, era irmã dele, a ave negra. Eu desmaiei.
Acordei num lugar escuro e estranho. Parecia um armazém para drogas e armas, quando ele apareceu no meio da escuridão. Eu estava a vê-lo novamente, a alegria reinou muito mais do que o medo, que era praticamente inexistente.
Eu encostei a mão no seu rosto, ambos arrepiamos, fechamos os olhos, nos aproximamos, nariz com nariz, respiração partilhada. Estávamos onde tínhamos planeado alguns anos atrás, o império que ele construiu para podermos reinar.
Os nossos lábios estavam tão próximos, um sentimento estranho começou a surgir dentro de mim, uma mistura de incerteza, tentação, prazer, receio e... amor.
Eu podia estar a dormir por todo estes anos, mas ali, naquele momento, eu finalmente despertei. A adrenalina começou a me possuir, o cheio da pólvora, das drogas e o seu cheiro inesquecível.
*Click* Ele estava com uma pistola Desert Eagle encostava no meu crânio. Eu não aguentei e comecei a dar gargalhadas. Consegui ver a reacção de surpresa e desejo estampada no seu rosto intrigante. Ele me puxou contra o seu corpo, me levantou com os seus braços fortes e eu me agarrei completamente nele, os nossos corpos se encaixam perfeitamente. Beijamo-nos, apaixonadamente, brutalmente e intensamente, como se fosse a última vez que nos fossemos ver.
Até que ele me soltou e se afastou. Limpou o suor na testa com a mão que segurava a pistola, como se tivesse cometido um erro. Eu tenho a certeza de que tudo o que eu senti, ele também sentiu, mas não demorou e caiu na rua realidade, no seu verdadeiro foco: vingar-se de mim pela dor que eu havia lhe causado desde que eu parti.
Eu sem perceber, fui me aproximar da minha querida ave negra. Antes que tivesse a oportunidade de dizer que poderíamos concretizar os nossos planos, sem hesitar, ele apontou a pistola na minha direção, mas dessa vez, eu via ódio nos seus olhos, insanidade e sangue. Um homem apareceu por trás de mim, a segurar os meus braços, me impedindo de mexer ou fugir.
A voz da Ave surgiu a meio de tanto desespero com as seguintes palavras "Você vai pagar tudo o que fez comigo. Relaxa que vai ter muita companhia daqui para frente" sorriu sinistramente, virou-me costas e me deixou com aquele desconhecido que disse-me que eu vou visitar alguns países no oriente médio e que iam adorar o meu corpo.
Ele me vendeu, eu fui vendida assim como uma das suas mercadorias...

Isto foi fruto de noites atrás, onde tive um sonho que logo se tornou um pesadelo demasiado real.


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